ARTE E SABER FAZER
Todos têm uma ideia sobre arte: o filólogo, o teólogo, o crítico, o jurista, o militar, o historiador de arte e o Senhor Presidente da Câmara. Não é verdade que cada um tem o “seu” gosto?
Perdão, Senhores, a arte nada tem a ver com o gosto, a arte, não está lá para ser “degustada” mas o Senhor Presidente da Câmara pensa que a arte está lá para que a “julguem”, a arte moderna, que é “julgada do ponto de vista comercial”.
Como é que uma ideia tão original pode ter saído da cabeça de um Presidente da Câmara? O que o Presidente da Câmara quer, é o que os críticos dos jornais diários fazem, os grandes e os pequenos. Querem emitir juízos sobre arte. Eis como é confortável, dado que uma qualquer crítica errónea não tem necessidade de ser desmentida. Os “juízes” da arte falam do “saber fazer”, deploram que este saber fazer não exista absolutamente nada nos mais “jovens”. Por vezes mesmo deploram isso muito seriamente . Mas sabem então Senhores em que consiste esse “saber fazer”? Não, os Senhores não o sabem. Crêem que saber fazer é saber desenhar e pintar correctamente, como o “sabe fazer” um aparelho fotográfico desde que se inventou a fotografia a cores. O nariz não deve ser muito comprido, nem a perna demasiado curta. E esta a “base sólida” vão procurá-la nas escolas de belas-artes e tornam-se alguém-que-conhece-bem-o-seu-ofício.
Saber fazer significa saber dar forma. Saber fazer subentende que se é capaz de pressentir a vida interior da linha e da cor. (Linha e cor elas mesmas destacadas do objecto. Pintura absoluta no sentido em que se fala de música absoluta.) Saber fazer subentende que se venceu. Para o artista, as coisas mais quotidianas, tais como as mais raras, podem tornar-se uma aventura, as cores de uma tonalidade, um emaranhado de linhas.
Este novo saber fazer subentende que o público e sobretudo o crítico, “saibam fazer” qualquer coisa. O crítico deve ser capaz de reconhecer na forma elaborada pelo artista o que ele viveu e deve poder revivê-lo ele próprio.
Se, além disso, ele for capaz de exprimir numa linguagem clara o que ele sentiu diante de uma obra de arte, tem o direito de escrever sobre arte. Talvez mesmo de emitir opiniões sobre arte. O critico deve ainda poder fazer outra coisa: renunciar a pretender vaidosamente que é o tutor da arte, que pode desempenhar um papel de conselheiro, dizer aos artistas como fazer melhor. Mas vós, Senhores juízes, não sabeis nada de arte.
E.
Volksmund, Bona 30.10.1912
E. (Ernst, Max)
Todos têm uma ideia sobre arte: o filólogo, o teólogo, o crítico, o jurista, o militar, o historiador de arte e o Senhor Presidente da Câmara. Não é verdade que cada um tem o “seu” gosto?
Perdão, Senhores, a arte nada tem a ver com o gosto, a arte, não está lá para ser “degustada” mas o Senhor Presidente da Câmara pensa que a arte está lá para que a “julguem”, a arte moderna, que é “julgada do ponto de vista comercial”.
Como é que uma ideia tão original pode ter saído da cabeça de um Presidente da Câmara? O que o Presidente da Câmara quer, é o que os críticos dos jornais diários fazem, os grandes e os pequenos. Querem emitir juízos sobre arte. Eis como é confortável, dado que uma qualquer crítica errónea não tem necessidade de ser desmentida. Os “juízes” da arte falam do “saber fazer”, deploram que este saber fazer não exista absolutamente nada nos mais “jovens”. Por vezes mesmo deploram isso muito seriamente . Mas sabem então Senhores em que consiste esse “saber fazer”? Não, os Senhores não o sabem. Crêem que saber fazer é saber desenhar e pintar correctamente, como o “sabe fazer” um aparelho fotográfico desde que se inventou a fotografia a cores. O nariz não deve ser muito comprido, nem a perna demasiado curta. E esta a “base sólida” vão procurá-la nas escolas de belas-artes e tornam-se alguém-que-conhece-bem-o-seu-ofício.
Saber fazer significa saber dar forma. Saber fazer subentende que se é capaz de pressentir a vida interior da linha e da cor. (Linha e cor elas mesmas destacadas do objecto. Pintura absoluta no sentido em que se fala de música absoluta.) Saber fazer subentende que se venceu. Para o artista, as coisas mais quotidianas, tais como as mais raras, podem tornar-se uma aventura, as cores de uma tonalidade, um emaranhado de linhas.
Este novo saber fazer subentende que o público e sobretudo o crítico, “saibam fazer” qualquer coisa. O crítico deve ser capaz de reconhecer na forma elaborada pelo artista o que ele viveu e deve poder revivê-lo ele próprio.
Se, além disso, ele for capaz de exprimir numa linguagem clara o que ele sentiu diante de uma obra de arte, tem o direito de escrever sobre arte. Talvez mesmo de emitir opiniões sobre arte. O critico deve ainda poder fazer outra coisa: renunciar a pretender vaidosamente que é o tutor da arte, que pode desempenhar um papel de conselheiro, dizer aos artistas como fazer melhor. Mas vós, Senhores juízes, não sabeis nada de arte.
E.
Volksmund, Bona 30.10.1912
E. (Ernst, Max)
Au premier mot limpide
Pintura mural em casa de Paul Eluard em Eaubonne,
mais tarde montado sobre tela
Óleo sobre gesso fixado na tela, 232 x 167 cm
Dusseldorf, Kunstsammlung
Nordrhein-Westfalen
Foto: TASCHEN
oh meu deus....que saudade....saudade desta L U C I D E Z!!!!!!!!!!
ResponderEliminarbeijo-te.
(excelente post. mesmo.)
Olá Isabel,
ResponderEliminarUm texto teórico faz sempre jeito para fundamentar ou clarificar pontos de vista e é sempre um 'argumento de autoridade'.
O quadro só comento o título que acho 'límpido'. Uma 'palavra límpida', o que será?
Um beijinho.
O olho vê e sente de maneira distinta. Pronunciar-se sobre o que não se sente,é prática comum e corrente. O que foi dito fez-me lembrar, aquela frase que diz, "se não poderes ajudar,atrapalha! o importante é participar...
ResponderEliminarO primitivo mural é uma graça.A mão que veio escondida balançar a bola do bicho pau, é uau!
Beijocas
Gosto tanto de ler estes textos! e ler:
ResponderEliminar"Saber fazer subentende que se é capaz de pressentir a vida interior da linha e da cor. "
Obrigada.
É uma preciosidade...
ResponderEliminarObrigada, Isabel! :)
bj.
Laerce;
ResponderEliminarA obra precede a teoria. Concordas?
Quanto ao título... é "apenas" um verso do Eluard. Um homenagem que M.E. fez ao Poeta pela hospitalidade na casa de Eaubonne.
Olá jp; :)
ResponderEliminarO mais de acordo possivel! :)
Até pensei que a bola presa ao cordel acionasse o badalo de uma qualquer sineta... :)))
Um abraço.
Helena,
ResponderEliminartb me senti 'tocada' pela frase que citas...
Há, realmente, palavras com muita força!
bj.
Viva Isabel,
ResponderEliminarNem juizes... nem críticos nem coisa nenhuma!... De arte só entende o "Artista"!... Aquele que acorda ás horas mais incertas... que se entrega solitáriamente ao seu laboratório... e cria...e questiona...e põe tudo em dúvida... aquele que volta a apagar todo o seu trabalho... e recomeça... sem pressas... sem relógios do tempo a pautar todos os segundos que nos leva a recomeçar tudo de novo.
A arte, é um cozinhado sem receita, dela... só entendem aqueles que a consomem com todos os seus indetermináveis sentidos.
Saudações das tais;)
A mim parece-me das coisas mais difíceis, ser crítico de arte. Afinal, como é possível julgar o que saiu da alma do artista? Dos sentidos? Certamente que a arte não é apenas o registo do real. Será a visão do artista sobre algo que, muitas vezes, o crítico não faz a mínima ideia do que se trata.
ResponderEliminarGostei muito de ler esta "opinião abalizada". :)
Beijos
Viva Musqueteira;
ResponderEliminarSó mesmo uma ARTISTA para entender a palavra de outro ARTISTA.
E imaginar que passaram quase cem anos...
Um beijinho e as nossas saudações. :)
agua_quente;
ResponderEliminara mim tb me parece! :)
e gostei muito de ler a sua!
bjs.
olááááá
ResponderEliminarora aqui estou eu.
Bom eu penso que todos nós temos direito à critica, se gostamos ou não, mas fazer juizos de valor isso é que não!
Bacci cara
Arte é PROVOCAÇÃO !
ResponderEliminarbjs,
Olá Mocho! :)))
ResponderEliminarExactamente...!
Gostar ou não é um direito de todos e de cada um... mas a velha carta de Nax Ernst fala de algo mais. :)
Bacci mile
Olá José António;
ResponderEliminarO mais de acordo possível...!
A Arte tb é PROVOCAÇÃO! :)))
bjs.
Olá Isabel,
ResponderEliminarPrecisamente, eu tiro-lhe o tb...
A Arte é sempre provocação, toda a Arte, porque provoca sempre uma reacção, nem que seja de desprezo.
O objectivo da Arte, qualquer que ela seja, é sempre o de desencadear uma resposta sensorial no outro, com o correspondente correlato emocional.
O objecto artístico que falha essa provocação está à partida condenado à indiferença. A mesma indiferença que se tem por uma pedra da calçada.
A "Arte pela Arte" é como o "sexo pelo sexo". Não passa de um mito sem correspondência no universo da realidade.
A Arte põe sempre em jogo os valores e as ideias de quem a frui. Quer o fruidor concorde ou discorde dos mesmos. Pela Arte ele é levado a pensar neles e vivenciá-los. E isto é provocação. :)
bjs,
olá artista....acabo de a ver no blog de um poeta meu amigo...
ResponderEliminarfiquei tão "vaidosa"....
ora vá lá ver....
Tugazombi.blogspot.com...
e beijo.
Olá José António;
ResponderEliminard'accord!
são os muitos sinónimos... a riqueza da Língua de Camões...
provocação, reacção...
e nada como um amigo sempre atento. :)
Obrigada!
***
Olá mendes ferreira! :)))
ResponderEliminarTambém fiquei vaidosa... num blog de um desconhecido.
Nem sequer foi a amizade que lhe guiou a vontade...! :)
Obrigada a ti... e um bj.
Olá Isabel,
ResponderEliminarO problema é que o termo 'provocação' tem habitualmente uma conotação negativa e frequentemente ideológica. Herança do passado recente.
Mas não tem que ser assim. Afinal, a Língua é NOSSA!!
bjs,
o texto lembrou-me a (des)propósito o portuguesíssimo Lima de Freitas, onde colhi ideias semelhantes...
ResponderEliminarbeijos
Olá gato_escaldado;
ResponderEliminarEu sou admiradora do trabalho de Lima de Freitas. Ainda há bem pouco tempo pensei em dedicar-lhe um post aqui no blog mas não encontrei a informação que queria...
a tela dele 'Fonte de Juventus'... uma das minhas favoritas.
Um abraço e um beijinho. (para dividir) :)
Pois é Isabel, é demolidor Max Ernst. O que vale é que eu só disse que todos podem "pintar". E lendo esta perspectiva teremos mesmo que falar de duas formas de "saber fazer".
ResponderEliminarDe qualquer forma retenho duas leituras do Público desta senmana, de Alberto de Sousa: "(...)Só se aprende a nadar, nadando." António Damásio - aprende-se, «fazendo»."
E de Madalena Victorino: "(...)As artes oferecem visões do mundo e sobre o mundo que alargam a possibilidade de o compreender e também de crescer dentro dele. Levam-nos a adaptarmo-nos à ideia de que não há respostas certas, que não há verdades únicas nas que existem muitas formas de ser e de olhar as coisas."
Tu matas-me.....de prazer!
ResponderEliminar:) :) :)
beijo.te.
Olá Graza;
ResponderEliminarexcelentes citações. obrigada pelo contributo.
o 'saber fazer' tem que 'vir de dentro'... tem que ter alma...
Um abraço.
isabelinha,
ResponderEliminara vida está cheia e coisas boas...
ouvir tocar piano é uma delas. :)
bj.
Max Ernst! como eu gosto do quadro 'A Virgem castigando o Menino'!
ResponderEliminarbeijinhos, Isabel.
Musalia,
ResponderEliminarvou ver se tenho uma foto dessa tela para lhe dedicar um post. :)
obrigada pela lembrança.
bj.