Mário Soares precisava, no debate final com Cavaco Silva, de ser politicamente contundente mas, também, construtivo e credível. Foi, apenas e só, agressivo no tom e destrutivo nas palavras. Precisava de abrir brechas no distanciamento esfíngico de Cavaco, de o fazer descer do pedestal de superioridade em que tem decorrido a sua campanha. Conseguiu, apenas e só, desgastar-se a si próprio em ataques e indelicadezas sucessivas reforçando a aura de seriedade e respeitabilidade do seu adversário.
Mário Soares não fez uma única intervenção, uma única, ao longo de mais de uma hora de debate, com uma ideia para o país, com uma proposta mobilizadora, com uma mensagem positiva. Foi reiteradamente agreste, catastrofista, acintoso, negativista. Obcecado em denegrir e abalar o adversário, esqueceu-se de que estava a falar para os portugueses, perdeu a compostura e o discernimento, transformou uma campanha presidencial num recinto de luta livre, converteu um debate político numa conversa, azeda e ressentida, de vizinha rezingona e maldizente.
Soares chamou tudo o que podia chamar a Cavaco. «Não tem competência, não tem temperamento, não tem conversa, não é um social-democrata, é um homem de direita, quer vender gato por lebre, não tem uma formação democrática precisa, não fala, está blindado, deu o poder a outro porque tinha medo de ser julgado e de perder, é um político intermitente, só gosta de panegíricos, só governa em tempo de vacas gordas, é um economista razoável, não é um suprassumo da economia, tem vergonha do partido dele, quando está com outras pessoas ou fala de economia ou cala-se, etc., etc., etc».
A diatribe de Soares foi-se tornando, a cada remoque ou intervenção que fazia, mais incómoda para os espectadores, mais patética pela exaltação, mais confrangedora pelo excesso de linguagem e pela gratuitidade dos ataques. Chegou a roçar a inconveniência, como na alusão às conversas com políticos europeus sobre o comportamento de Cavaco quando este era primeiro-ministro.
Cavaco nem precisou de ser brilhante para sair claramente por cima deste debate. Bastou-lhe ignorar a má-língua, não baixar ao nível conflituoso e chocarreiro do seu adversário, falar do [que] pensa poder ser o seu papel em Belém e, em sintomático contraste, deixar cair alguns elogios às qualidades do opositor. Enquanto isso, Mário Soares tratava, acusação atrás de acusação, golpe após golpe, de dar um KO a si próprio e de se pôr fora de combate.
in Expresso on-line
21 Dezembro 2005