terça-feira, julho 05, 2005

A MADEIRA É UM JARDIM


Os meninos da Ribeira Brava - 1976


Visitei a Madeira, pela primeira vez, em Março de 1976, integrada numa equipa que foi filmar* e recolher depoimentos dos refugiados idos de Angola, em comboios de traineiras, e alojados no Forte do Machico.

Num “carocha” de rent-a-car, que o material era pesado, uma velha máquina de filmar** de 16 mm, tripés, “magasins”, stock de película, microfones, gravadores de som e outras coisas mais, percorremos a ilha, com olhos de ver e espírito aberto.

Vivia-se uma enorme pobreza. Bandos de crianças, sujas, esfarrapadas, descalças e famintas, caíam-nos literalmente em cima, puxavam-nos pela roupa e arranhavam-nos na tentativa desesperada de lhes darmos o que pediam. Dê-me PÃO! Sim... PÃO! Não dinheiro ou guloseimas mas pão, para lhes reconfortar os estômagos vazios. Eram crianças de pouca idade, na sua maioria rapazes, de 4, 5, 7, 9 anos. Os mais crescidinhos pediam, imploravam, que os trouxéssemos como criados – que sabiam fazer tudo, engomar, lavar chão, que queriam trabalhar.

Em Câmara de Lobos, no meio do cheiro nauseabundo do matadouro, a escassa distância do Funchal, - o único acesso era feito por uma pseudo estrada sinuosa que o “carocha” desbravou em cerca de hora e meia, - vi famílias inteiras alojadas em grutas na praia, num espaço tão exíguo que apenas comportava um catre – de casal – diziam eles, e que albergava de noite pai e mãe e 3 ou 4 filhos, e uma cómoda em cujas gavetas, dormiam outros mais pequenos. Como porta, uma colcha esburacada ou um magro cobertor retirado à cama em mês de inverno.
Senti a angústia dessa gente que nos pedia – por amor de Deus, menina, - veja se nos arranjam uns cobertores... uma casinha... que os meus filhos morrem de frio e de fome...

E depois veio o Alberto João Jardim, que com os dinheiros recebidos mandou fazer casas para aquelas pessoas, mandou abrir estradas e construir viadutos que permitiram outras formas de acesso, e desenvolveu o Turismo – o Algarve deveria estar atento e seguir o exemplo - e o Turismo criou riqueza com que ele tem continuado a criar melhores condições para os que nada tinham.

O “Homem” é desbocado; pois é. É Presidente de um Governo Regional; já sabemos, e como tal obrigado a outra postura. Mas os madeirenses continuam a votar nele e isso dá que pensar.

Desde então não voltei à Ilha mas acompanho as notícias. E penso no que vi.

* Filme inacabado segundo a lista do então IPC - Instituto Português de Cinema, por falta de cedência de documentos por parte do Governo Português.
** Arriflex

19 comentários:

  1. Desde então não voltou à ilha?... 1976?... Mas eu voltei.

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  2. Pois não... mas gostaria de voltar! :)

    Tenho andado ocupada a ver outros cantos do Mundo embora o mundo que sobra para ver seja cada vez menos seguro.

    Já agora, o seu perfil não está disponível. Tem blog? posso ver? :)

    Um abraço, Henrique.

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  3. pensava que a indicação do meu blog estava on-line (talvez agora esteja)

    Mas aqui vai

    http://henrique-jorge.blogspot.com/

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  4. Que impressionada fiquei com o teu relato. Não imaginei que a determinada altura, as pessoas vivessem nessas condições.

    Sim, de facto, dá que pensar.

    Beijinho Encaracolado ~:o)

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  5. Bom dia, Henrique! :)))

    Não abria, de facto... e eu não associei Henrique com Henrique Jorge. As minhas desculpas e os meus agradecimentos pela informação.

    Um abraço.

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  6. Caracolinha, muito bom dia! :)

    e acredita que muito aligeirei o que vi...
    À época, e fora do Funchal, havia uns quantos pontos turísticos de paragem obrigatoria e que dispunham de algumas infraestruturas caso das Piscinas de Porto Moniz, as Casas Típicas de Santana, e pouco mais. O resto era apenas uma paisagem deslumbrante. As estradas eram tenebrosas e dar a volta à ilha como nós fizemos foi uma aventura. Tenho memórias das conversas e fotografias... poderei continuar o relato mesmo correndo o risco de parecer que estou em campanha pelo Alberto João. :)

    Beijinho "liso". :)

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  7. Esta é a verdadeira função de informar.
    Não aquela informação que se dá e, ainda deixa mais dúvidas.
    Não aquela informação, para promover audiências, tirando um bocado da verdade e, colocando um bocado de mentira.
    Já fui em turismo à Madeira.
    Já me passeei por lá e, verdade seja dita, fiz algumas, perguntas incómodas...
    Quem quis respondeu, mas também reconheço que alguns, não responderam por receio.

    "A Madeira é do Jardim" disse-me alguém sorrindo. "Ele é o nosso Pai". Até hoje, recordo esta frase...

    Um abraço ;)

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  8. Olá Isabel,

    ....mas aquele carro atrás não é um carocha, (lá ando eu outra vez atrás das marcas dos carros).

    Texto expressivo sobre uma realidade vivida qua não invalida em nada a ideia que tenho de que este senhor não devia ocupar o cargo que ocupa, envergonha os madeirenses,envergonha os portugueses, envergonha a nossa en vergonhada democracia. Será só este senhor um suposto bom gestor dos dinheiros públicos?

    Um beijinho

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  9. Isabel,

    pois eu sou da opinião da laerce. no entanto, estive lá em inícios de 1970 e não regressei. vi apenas o que o turista deve ver.

    só tenho o registo do meu irmão que diz que o Funchal é uma cidade muito organizada e limpa...

    mas continuo a pensar como a laerce :)

    beijinhos.

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  10. Olá Menina_marota,

    Descrevi o que vi... e não fui sózinha; fui em equipa. E o que vi deixou marcas.

    Um abraço.

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  11. Olá Laerce,

    Pois não! Este carro cuja marca desconheço, não era o carocha que alugámos. Era suposto que fosse? :)

    Quanto ao teu comentário, é uma opinião que partilho em absoluto mas que não tem a ver com a miséria constatada. São dois tópicos distintos; a gestão da coisa pública e a postura que condeno. Um bom gestor devia ser regra e não excepção.


    Beijinho, dia bom.

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  12. Musalia,

    Conforme já disse - e até tenho um post recente no blog sobre o assunto - eu condeno, veementemente, a tal postura do Presidente do Governo Regional da Madeira...
    e agora, como em 1976, o Turista vê os pontos turísticos... que lhe querem mostrar e "nós" eramos um grupo "especial" que tinha por missão ver e denunciar.
    Disse aí num dos comentários que fora do Funchal havia 2 ou 3 locais com infraestruturas e o resto era paisagem. O único troço de estrada, segundo os conceitos que temos de estrada, era o que ligava o Funchal ao eroporto e ao então recentissimo Hotel do Machico. Os restantes acessos eram "pesadelos" que não permitiam que duas viaturas se cruzassem.
    Não tenho ideia de haver leitores da Madeira neste blog mas pode ser que haja...
    Aguardemos. :)

    Um beijinho.

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  13. Querida Isabel, deixei-te uma "mensagem" no meu blog no texto da foca ... e, claro, passei por aqui e novo, já se tornou um bom hábito visitar-te !!!!

    Beijo ... Encaracolado ~:o)

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  14. Querida Caracolinha,

    já lá vou ler...
    A caminhada até ao teu blog faz-se com alegria. :)

    Beijinho "liso"! :) :) :)

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  15. Querida Isabel, cá estou eu de novo, a "chata encaracolada" do costume ... já vi a tua mensagem ... fica a promoessa de fazer a divulgação da APCA muito, muito em breve. Gostava de te fazer um pedido ... quando puderes vai ao meu blog de novo e recua uns posts ... vais encontrar um texto que escrevi sobre i meu cão com uma foto dele. gostava muito que o lesses.

    A propósito, chamo-me Maria João!!!! ~:o)

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  16. Muito gosto... Maria João!

    É um prazer dialogar contigo. És sempre bem-vinda a este espaço que se quer vivo e partilhado.
    Lá irei ler a história do teu cão.
    De manhã li o post que dedicaste à tua avó mas não tive possibilidade de o comentar. Fica para o serão. :)

    Bj.

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  17. Mesmo nos dias que correm...fora do Funchal, já não é o que era mas...é a Madeira real. Quanto ao Alberto João é como era o Mota Amaral, isto é, muito compadrio...

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  18. Bom dia "Fernão Gaivota"! :)

    Os cargos "vitalícios" não trazem nada de bom. Será "carma" dos portugueses...?

    Um abraço.

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  19. Passei por aqui vinda de umas "Memórias" do FB e tive curiosidade de reler todos os comentários. Espantada - ou talvez não! - com a "alguma" falta de objectividade, com o "clubismo" de alguns. Fora o AJJ de outra côr política e estaria tudo bem... Assim, é o que se pode ler. Não há mesmo paciência. Enfim!

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