quarta pele: o meio social e a identidade
Hundertwasser teve apenas uma consciência tardia da quarta pele familiar. Filho único, orfão de pai, a sua vida de família limita-se a uma relação exclusiva com a mãe, feita de uma ligação visceral e de uma profunda ternura irónica. Elsa Stowasser, empregada bancária e mãe judia, incarna os valores da pequena burguesia da sua época. «Permanece anónimo se queres viver em paz», diz Elsa ao filho. Quando percebeu que se estava a desenvolver no filho uma personalidade «diferente», sentiu um medo profundo: os primeiros sucessos do pintor, que testemunhou, não serenaram as suas apreensões. Quando a mãe morre em 1972, Hundertwasser atinge um ponto de viragem decisivo na sua carreira e torna-se então muito mais sensível ao meio social e aos problemas de identidade ligados a um grupo, a uma comunidade ou a uma nação.
O adolescente hipersensível e solitário vai descobrir uma segunda natureza na aventura de viajar. Esse nomadismo, nunca desde então desmentido, deu-lhe a oportunidade de visitar o mundo inteiro. Permite-lhe hoje percorrer as propriedades que coleccionou pelo mundo, na Áustria, em França, em Veneza, na Nova Zelândia.
Selos postais originais desenhados por Hundertwasser
O projecto de sociedade estético-naturista é acompanhado de uma faceta pacifista. A paz no belo é a expressão soberana da ordem natural, a harmonia universal.
Constatando a força da ideia nacional sobre os cidadãos que nela se reconhecem, Hundertwasser interessou-se de perto pelos sinais que distinguem a identidade. Os sinais mais imediatos pelos quais se afirma a identidade de uma nação, face aos seus cidadãos e face ao mundo, são os selos postais, a bandeira, a placa de matrícula do automóvel.
Num notável golpe VISIONÁRIO, Hundertwasser passou assim do macrocosmo arquitectónico para o microcosmo dos selos postais. Do supergrande ao superpequeno, tudo é importante.
Nos vinte anos de carreira durante os quais desenhou alguns trinta modelos de selos, tornou-se uma celebridade mundial em matéria de arte filatélica.
Frente e verso dos qutro cartões-puzzle de telefone para os correios austríacos, 1992
Bandeira Koru para a Nova Zelância, 1983
Bandeira Uluru para a Austrália, 1986
O ano de 1988 será particularmente rico em iniciativas militantes. Hundertwasser dá um curso sobre a arquitectura naturista na academia de verão de Salzburgo e arranja tempo, em plena obra de Bärnbach, para redigir o manifesto «A Aústria Cultural Contra a Deportação e a Destruição de Aldeias na Transilvânia Romena»! Mas lança-se sobretudo numa campanha forte contra a decisão do Estado Austríaco de alterar o desenho e a cor das placas de matrícula dos automóveis.
A Mulher Verde, técnica mista, 168 x 55 cm, Melun, 1954
Os símbolos políticos são belos depois de perderem o seu significado ideológico. Aqui a suástica tem a cor verde da esperança e a foice e o martelo o vermelho cardeal.
Hundertwasser é um partidário da Europa das nações, de uma Europa de diversidade onde coexistam face às grandes nações como a Alemanha, a França, o Reino Unido e a Itália, entidades minúsculas como o Liechtenstein, Mónaco, San Marino, Andorra e o Luxemburgo bem como comunidades de modelo reduzido como a Aústria, a Suíça ou a Eslovénia.
A campanha contra a Europa unida conduziu Hundertwasser a endurecer as suas posições. Num texto fundamental, declara: «Aderir à União Europeia é trair a Aústria» - trair a sua vocação a Leste, criar a neurose da anexação, um neo-'Anschluss' por submissão à máfia dos supranacionais, trair a sua neutralidade, fundamento da sua identidade nacional.
A Aústria, a nova Ostmark, não poderá manter a sua posição de nação neutra, ecológica e não nuclear. O estado vassalo sacrificará os seus pequenos agricultores, os últimos garantes de uma gestão humana da terra de acordo com a natureza.
Os computadores supranacionais e multinacionais de Bruxelas nivelarão as diversidades específicas do actual humanismo austríaco e essa normalização varrerá todas as esperanças de espaços felizes. Hundertwasser vê na Europa unida a obliteração do seu projecto de sociedade e o apagamento definitivo dos poucos traços que deixou depositados em solo austríaco.
Fotos: Taschen
Olá Isabel,
ResponderEliminarVou ler isto com calma.
Um beijinho
Olá Isabel,
ResponderEliminarEsta quarta pele mostra de facto alguém extraordinário, uma pessoa verdadeiramente livre que, parecendo andar nas nuvens, está com os pés bem assentes no chão. Os selos, as matrículas e as bandeiras são um exemplo disso.
Então a bandeira de terra prometida...enfim, é uma tristeza este sonho não se realizar.
Um beijinho
Um beijinho
Olá Zé das Loas,
ResponderEliminarPois o meu amigo e a Laerce merecem a 'medalha de mérito da leitura'! :)
Obrigada pelo interesse.
bj.
Olá Laerce,
ResponderEliminarUm bocado vasto... eu sei, mas era difícil resumir mais.
Obrigada pelas palavras sempre apropriadas.
bj.