Cansaram-se os olhos da senhora Rosa. E, cansados os olhos, as mãos já não trabalham. Arrumou o tear - que, em casa de tecedeira, é a última coisa a desarmar - e desistiu.
Durante anos a fio, sem parança, urdiu as teias e, com tiras de trapos velhos, fornecidos pelos clientes ou comprados ao quilo, mais algodão e lã teceu mantas.
Usavam-nas, conforme calhava ou, melhor dizendo, ao gosto do freguês, nas camas como cobertas (e mesmo cobertores,) no chão, como tapetes cobrindo o solho esfregado, asseado, amarelíssimo do sabão utilizado, conforme o costume das gentes vareiras e murtoseiras. Por vezes, usavam-nas também, estranha função, como panais no fabrico de roscas doces.
Anos a fio, na sua casa da Ribeira, a senhora Rosa foi tecendo. (Aprendi a tecedeira, / donde estou arrependida, / passa o amor na rua, / e eu na prisão metida.) Uma vida. O que resta desse lavor é esta imagem. E nada mais. Além de algumas, poucas, mantas, velhas, desbotadas e desfiadas de que, um dia destes, já ninguém recordará a origem. (Salvo os Museus - se os houver para guardar as lembranças das terras e das suas gentes.) Uma vida. Uma caminhada que chegou ao fim, e mais uma oficina perdida na voragem onde as tradições artesanais se vão consumindo. No caso da senhora Rosa, não tece nem há tear, por aqueles dois motivos e mais um: a inevitável condição de envelhecer, deixar de ver e perder a mão que urdia a teia. E tecia, tecia, tecia.
Foto: Ribeira (Ovar) 1977
in Nós Portugueses
Helder Pacheco