Zaafrane Voa-se por cima do Alentejo, de areias de Espanha e do mar Mediterrâneo. Entra-se em África e segue-se ao longo da costa do Magrebe. Já de noite, pousamos em Tunes e só no dia seguinte acordamos para a luz e as cores - branco e azul - desse fantástico país de praias, montanhas, desertos, cidades árabes, aldeias berbéres e templos romanos. Fica a duas horas de voo: o tempo que se demora a mudar de civilização.
miguel sousa tavares, SUL viagens.
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Entra-se, literalmente, no deserto ao passar as portas rudimentares de uma ainda mais rudimentar construção, feita de tijolo cor de areia, sem reboco, que se confunde com a paisagem.
Ao entrar, as portas fecham-se atrás de nós e somos confrontados com uma semi penumbra, permitida por pequenas frestas na parede oposta, e com um calor sufocante, deixado que fora o autocarro com ar condicionado. Lentamente, os nossos olhos apercebem-se do pouco que nos rodeia. Um espaço, relativamente pequeno, moscas, muitas moscas, bancos corridos em madeira velha e alguns funcionários que nos entregam um saco com o que iremos usar, sobre a nossa roupa, nas cerca de duas horas seguintes. Depois da djelaba vestida, ensinam-nos e ajudam-nos a colocar a longa tira de tecido branco, impecavelmente branco - azul para alguns - que nos cobrirá a cabeça e quase toda a face. Com o grupo devidamente “vestido a rigor”, as portas na parede em frente às da entrada abrem-se e somos contemplados com a primeira visão do deserto. Cá fora, uma cáfila aguarda ao sol, alinhada, sentada na areia escaldante, cada animal acompanhado do respectivo cameleiro. Convidada a escolher, os meus olhos pousam num de grande porte que em pé revelou mais de 1,80 m à garupa. Após as explicações sobre a forma como o animal se levanta para que possamos contrariar o movimento, inicia-se a subida e a expectativa do levantar. Os animais são dóceis, habituados ao trabalho de transportar pessoas, e o seu andar é suave e lento, sempre pela mão do cameleiro que nos acompanha a pé. Um outro animal mais pequeno, sem passageiro, segue amarrado à minha montada e não cessa, teimosamente, de me mordiscar a djelaba. Passada mais de meia hora de percurso, pedi ao cameleiro que me confiasse as rédeas. De início recusou com um gentil “pas possible, madame”. À terceira insistência e depois de lhe garantir que estava segura do que queria, acedeu. A sensação é indescritível. É uma sensação de liberdade apenas igualada pela que se experimenta no mar numa pequena embarcação à vela.
De rédeas na mão e num passo quase trote, não cessava de pensar, com um sorriso, e-se-o-camelo-resolve-partir-à-desfilada? Não partiu! Reduzi o passo. Alguém nos fazia sinal de parar. Estávamos no meio de nada. Nada à vista, nem pistas de jeep, nada além de areia. E subitamente, vindos não sabemos de onde, um grupo de jovens e crianças, transportavam latas de coca-cola, água e outros refrigerantes, acondicionados em baldes com gelo.
Depois, o percurso inverso. O entregar da djelaba, as fotos com os camelos e os cameleiros que com ar doce pediam “une photo, madame”!
Acabáramos a primeira etapa dos três dias que permaneceríamos no deserto do sul da Tunísia.